Lei das fake news: devagar com o andor que o santo é de barro
Já há mais pessoas criticando a ideia, mas um dos pontos do projeto de lei segue sendo aprovado pela maioria. E é o mais errado de todos.
Não sei por que tá todo mundo achando bacaninha o projeto de lei das Fake News. Pouca gente debatendo. Tem alguns pontos corretos, como as Big Techs terem sede no Brasil para poderem operar. Afinal, alguém tem que responder pelas empresas.
Aí o debate, em vez de ter profundidade, ficou divertidinho, cheio de memes e torcidas. De um lado, os argumentos bobinhos do Dellagnol falando que trechos da bíblia serão censurados. Uns trechos bem escrotão mesmo. Como Efésios 5;22-24. Esse trecho afirma que “o marido é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça da igreja”, e ordena: “sujeitai-vos a vosso próprio marido”.
Ficou lá ele gritando que vai ser censurado e todo mundo torcendo contra, óbvio. Ninguém se importa com fanático religioso. Do outro lado, o Boulos, sem argumento nenhum além de achar que a culpa da mamadeira de piroca é a fake news, não nas pessoas que queriam acreditar numa mamadeira de piroca.
Mas vamos para o debate de verdade. É sério que vocês são a favor do estado bater o martelo sobre o que é verdade e o que é mentira?
Vamos direto para os exemplos. Sai um artigo falando que 1964 foi golpe. E foi. Deixa o juiz do momento decidir se foi golpe ou revolução? Ahh, mas isso não está na lei. É verdade. Não está. Foi só um exemplo do estado decidindo o que é verdade e o que é mentira.
Aí eu abri a notícia do UOL que explicava a lei. Vi isso aqui: "dificultar ou contrariar medidas sanitárias durante emergências de saúde pública".
Há coisas mais importantes que isso? Pois é. Gente dificultando ou contrariando medidas em emergências de saúde pública são pessoas deploráveis, certo? Tá aí um ponto que ninguém discorda!
Agora vamos para a história, para ver se a gente aprende algo. Na Alemanha nazista, os cientistas da época chegaram ao consenso científico de que os judeus eram os responsáveis pela epidemia de tifo.
Aí, como esforço de saúde pública, criaram um lockdown. Era o Gueto de Varsóvia. Prenderam os judeus ali pela saúde, saca?
Quando os casos de tifo aumentaram no gueto, como era de se esperar, devido à aglomeração de pessoas em um pequeno espaço, o médico Jost Walbaum, autoridade máxima de saúde, reforçou o consenso científico já estabelecido: “Os judeus são predominantemente os portadores e disseminadores da infecção pelo tifo”.
Na sequência, Hans Frank, uma das mais altas autoridades do Governo Geral Nazista, seguindo a ciência, afirmou que o assassinato de 3 milhões de judeus na Polônia “era inevitável por questões de saúde pública”.
Se alguém gritasse que culpar os judeus pelo tifo era mentira, adivinha? Fake news, claro! Um negacionista da ciência. E o estado decidindo isso. Punição e censura!
E aí, vamos deixar o estado bater o martelo sobre o que é verdade ou mentira?
Mas nazismo? "Baita exemplo exagerado", é o que você está pensando agora, não é? Já sei, pensou na Lei de Godwin. Aquela que diz assim: "À medida que uma discussão online se alonga, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou os nazistas tende a 100%".
Bem, aí eu vou lembrar que é fascismo é uma ameaça constante. "A cadela do fascismo está sempre no cio", afirmava Bertolt Brecht.
"Mas o nazismo era um estado fascista totalitário", você vai dizer. É verdade. Era sim. E você chegou no ponto que eu queria.
Vamos falar então de captura regulatória. "Muita gente acha que o governo deve proteger o consumidor, mas um problema muito mais urgente é proteger o consumidor do governo”, dizia Milton Friedman, Nobel de Economia.
Está bem. Eu também não gosto da Escola de Chicago, nem de seus incentivadores, nem de seus resultados. Sim, eu sei da ligação de Friedman com Pinochet. Sim, eu sei do resultado do neoliberalismo. Mas ele estava falando do problema que ele mesmo criou.
E o que é, afinal, captura regulatória? "De acordo com a teoria da escolha pública, a captura regulatória é uma das muitas possíveis 'falhas de governo', que ocorrem quando os encarregados da regulação estatal, atuando supostamente no interesse público, acabam favorecendo grupos de interesses privados que dominam setores regulados", detalhou João Luiz Mauad em um artigo em O Globo.
E todo mundo olha para as agências reguladoras para saber o que é verdade ou mentira. Ou seja, para saber o que é fake news e quem deve ser censurado, todos olham para a FDA, dos EUA, OMS, NIH, entre outros.
E a BMJ - British Medical Journal, um dos mais antigos e prestigiados periódicos científicos do mundo, levantou quanto da renda das agências reguladoras são provenientes da indústria farmacêutica. Austrália (TGA) 96%, Europa (EMA) 89%, Reino Unido (MHRA) 86%, Japão (PMDA) 85 %, EUA (FDA): 65%.
E você acha que essas agências atendem você ou os interesses de quem os financia?
Além disso, a indústria possui o maior lobby do mundo. Três vezes maior do que o da indústria do petróleo. Tá de boa?
É de estado totalitário que a gente não gosta, certo? A BMJ publicou recentemente outro artigo. "A ilusão da medicina baseada em evidências". Este artigo explica que a academia foi corrompida, as pesquisas foram corrompidas, os órgãos reguladores foram corrompidos e os dissidentes são perseguidos. Tudo criando uma ilusão para atender objetivos das empresas do ramo.
E com essa quantidade de financiamento. Quem fica protegido? Vamos agora ao poster disponível na loja de presentes do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. Eles explicam os sinais precoces do fascismo.
Nem vou explorar muito. Só dois itens. Poderes corporativos protegidos. É a captura regulatória.
E mídia de massa controlada. Afinal, vão ouvir quem para falarem de saúde? As agências regulatórias financiadas pelas empresas.
Mas será sério esse suposto "totalitarismo" todo mesmo? É o que você deve estar se perguntando agora. Há poucos dias, o Jornal Nacional foi fazer uma reportagem sobre fake news sobre as vacinas. Foram entrevistar Margareth Dalcolmo. Normal do jornalismo entrevistar autoridades do assunto, não é?
Segundo levantamento feito pela Dra Maria Emilia Gadelha, Dalcolmo tem um currículo invejável: Membro Titular da Academia Nacional de Medicina, Pesquisadora Sênior da Fiocruz e Presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
Além disso, em um documento trazido pela Dra Gadelha, a indicação é clara: Ela faz parte do Conselho Consultivo da Pfizer e da Janssen. Dalcolmo disse que miocardite provocada pelas vacinas é fake news. Bateu o martelo no jornal da maior audiência do Brasil, criando "consensos". "Quanto recebe? E a ética, onde fica?", perguntou Gadelha.
Recapitulando de outra forma: eu não planejo compartilhar hiperlinks de pesquisas científicas que discutem miocardite pós-vacinação. A simples informação de que a pessoa consultada para opinar sobre a veracidade de um defeito do produto é um membro do Conselho Consultivo da empresa responsável pela fabricação do produto já é suficiente para este debate.
E afinal, vocês querem mesmo deixar o estado decidir o que é verdade e o que é fake news?
Pronto. Dito tudo isso, voltem a se divertir com o debate de Dellagnol e Boulos, tão profundo quanto um pires.