COVID-19: professor da Unicamp faz desafio e ganha aula gratuita de professor da USP
É a polêmica de sempre. Hidroxlicloroquina, ivermectina e o tratamento precoce.
“Não se deixe enganar”, esbravejou Leandro Tessler, professor do Instituto de Física da Unicamp. O alerta foi com o dedo em riste, apontando para a o telespectador. Era o final de um vídeo, publicado no canal oficial da TV Unicamp, onde o professor se propôs a explicar que as meta-análises produzidas pelo grupo de cientistas do c19study.com representam, nada mais, nada menos, que uma farsa da internet.
“O C19study é um site que deliberadamente junta confusão para enganar você”, afirmou pouco antes. Tessler se apresenta como membro do Grupo de Estudos de Desinformação em Redes Sociais (Edres) da Unicamp, onde ele se propõe a classificar, com o selo da respeitada universidade, o que representa informação falsa ou verdadeira na internet.
O que é o c19study?
O site foi criado por cientistas que preferiram trabalhar de modo anônimo. Essa decisão foi tomada depois que Didier Raoult, o cientista francês que propôs o tratamento da COVID-19 com hidroxicloroquina e azitromicina, dois medicamentos baratos e genéricos, passou a sofrer ameaças de morte a partir de outros cientistas ligados à lucrativa indústria farmacêutica.
O c19study se propõe a catalogar todos os estudos de tratamentos para a doença causada pela pandemia. Eles possuem seções inteiras sobre a hidroxicloroquina, ivermectina, vitamina D, Vitamina C, bromexina, fluvoxamina, entre outros. No total, hoje, 5 de abril de 2021, já são 538 estudos. Entre os medicamentos com mais artigos estão a hidroxicloroquina, com 277, a Ivermectina com 49 e a vitamina D, com 65. O site é um valioso repositório e está sempre atualizado. De cada estudo clínico, eles fazem um resumo e apontam o link para a fonte original. A grande maioria é revisada por pares. Além disso, o site produz algumas meta-análises.
O que são meta-análises?
Quando você possui uma quantidade razoável de estudos sobre um determinado tema, como a hidroxicloroquina, por exemplo, os cientistas produzem meta-análises. É um olhar sobre todos os estudos publicados e seus resultados. No caso, eles produziram uma da ivermectina, outra da hidroxicloroquina e outra da vitamina D.
Existem outras meta-análises publicadas no mesmo sentido, como a produzida por Chia Siang Kow, da International Medical Univeristy, de Kuala Lampur, Malásia, e a da britânica Tess Lawrie, da Evidence-Based Medicine Consultancy. Ambas indicando a eficácia da Ivemectina.
A polêmica e o desafio
Em todos os estudos científicos da área, há um cálculo chamado de p-valor. É um termo da estatística que define o quanto do resultado apresentado, como a eficácia de um fármaco, pode ser fruto do acaso. Ou seja, define o quão confiáveis são os resultados apresentados. Nos casos das três meta-análises, o cálculos de p-valor representam valores bastante baixos, indicando que os efeitos, como reduções de mortalidade, vem realmente dos medicamentos.
“Eles simplesmente multiplicam os diferentes p-valores, obtendo valor de p-valor muito baixo”, afirmou Tessler no vídeo. Logo ele lançou um desafio em seu twitter.
Para ele, era um grande mistério de onde surgiu o cálculo. Tessler desafiou que lhe explicassem depois que alguém reclamou.
Será que está errado?
Eu, pessoalmente, não sou cientista, matemático ou estatístico. Ao ver o desafio de um professor da Unicamp, feito deste modo, indicando certeza absoluta na farsa, eu fiquei na dúvida se os cientistas do por trás das meta-análises erraram. Seria um erro evidente e grosseiro.
Eu uso o site e as meta-análises como referência para saber dos últimos estudos e efeitos dos medicamentos. Eu poderia estar sendo ingênuo ao acreditar nos resultados.
Na verdade, eu mantenho contato com os criadores do c19study. Isso acontece desde julho do ano passado, desde quando publiquei um artigo sobre minha escolha pessoal de possíveis tratamentos em caso de contrair o vírus. O artigo: "Hidroxicloroquina: a narrativa de que não funciona é a maior farsa da história recente da humanidade", publicado em português, em francês, na France Soir, um jornal de Paris, e em inglês, viralizou na internet em cada uma das línguas, com centenas de milhares de acessos.
Depois desse artigo ter tomado uma proporção maior do que eu imaginava, onde eu explicava minha posição do ponto de vista de um paciente, acabei desenvolvendo contato com diversos cientistas do Brasil e do exterior. Muitos que publicavam novidades, análises e estudos me aceitaram como amigo no facebook ou me seguiram no Twitter.
Depois disso, quando a primeira meta-análise do coletivo de cientistas do c19 estava quase pronta, antes da divulgação, eles me enviaram mensagem solicitando minha opinião. Eu fiquei lisongeado, mas afirmei que não tinha capacidade para fazer alguma observação científica além do entendimento básico: se era de fácil leitura, de fácil compreensão para um não especialista, além de compatível com meus dispositivos.
Talvez fosse este mesmo o teste que eles solicitavam. Se uma pessoa comum fosse capaz de entender, o estudo já poderia ter uma boa penetração tanto na classe cientifica e médica, como entre pacientes.
Entretanto, perguntei aos autores se eu deveria coletar mais algumas sugestões de outros cientistas que mantenho contato. Eles acharam interessante e eu passei o "pré-print" a diversos deles.
Eu tinha contato, entre diversos do mundo todo, com Daniel Tausk, professor de matemática da USP. Lembro que ele deu alguns feedbacks que encaminhei diretamente para os autores. Tausk comentava algo sobre alguns dos diversos cálculos, sua especialidade. Virologistas, imunologistas e bioestatísticos também deram suas valiosas contribuições.
Além disso, intermediei a coleta de feedback de outros cientistas dos EUA, também de múltiplas especialidades dentro da ciência, trabalhando na pandemia.
Meu feedback pessoal não passou de nada além de um "achei legal, entendi quase tudo e funcionou no meu computador". Depois de minhas observações, eles deixaram algumas partes do artigo mais claras e explicadas, para que até pessoas do meu nível entendam.
Professor da Unicamp descobriu sozinho uma farsa mundial?
O professor de medicina Peter McCullough, da Universidade de Baylor, uma das mais conceituadas dos EUA, ao conceder uma entrevista para a SkyNews da Austrália, repetiu o número de valor p da meta-análise, com os valores apresentados na época da entrevista: "Apenas uma em 17 bilhões a chance da hidroxycloroquina não estar funcionando".
Cada novo estudo que entra na análise, o valor muda, para mais ou para menos. Hoje, 4 de abril, o estudo indica o seguinte: "HCQ é eficaz para COVID-19. A probabilidade de um tratamento ineficaz gerar resultados tão positivos quanto os 231 estudos até o momento é estimada em 1 em 3 quatrilhões".
O professor McCullough é um cientista de altíssimo nível. Ele possui um índice-H, referência da produção científica, de 113, uma classificação altíssima. O professor Peter é editor de duas grandes revistas em seu campo de atuação na medicina. Ele é um dos cientistas mais publicados no mundo quando se refere a coração e rins.
Outro cientista de alto nível que já usou os dados do c19study em suas apresentações é o professor Didier Raoult, diretor do IHU — Mediteranée Infection, um dos centros científicos mais produtivos de toda a Europa. Raoul, cientista premiado com as mais altas distinções francesas, possui um impressionante índice-H de de 187.
Enquanto isso, Leandro Tessler possui um índice-H de míseros 15, algo incompatível com tantas certezas e poucas dúvidas.
Foi quando me perguntei: será que esses cientistas de altíssimo nível também foram enganados com um cálculo apontado como imensamente grosseiro por um simples professor de física da Unicamp?
Com a dúvida resolvi consultar o Daniel Tausk
"Os caras do HCQmeta comeram bola mesmo ou não?", perguntei ao matemático, falando do p-valor apontado como um desastre.
Em bate-pronto, Tausk repetiu a conta que era um mistério para Tessler. Além disso, deu uma aula técnica: “Eles contaram 172 estudos positivos em 219. Fazendo o teste de sinal, o p-valor unicaudal é a probabilidade de ter ao menos 172 caras em 219 lançamentos de uma moeda honesta. Fazendo no R, o p-valor é 1 em 327 quadrilhões, como eles dizem”.
Tausk enviou esta imagem para explicar a matemática da meta-análise.
"Agora, se é razoável contar que são 172 estudos positivos em 219 é outra história. É um trabalho monumental que eles fizeram, mas essa parte da conta é trivial e tá certa".
Tausk, que tem se aprofundado nos estudos randomizados de diversos tratamentos e recentemente deu um aula para o Ciclo de Palestras de Chapecó, onde explicou, junto com Flavio Abdenur, outro doutor em matemática, as meta-análises de tratamentos, como a do professor Harvey Risch, de Yale, manteve o foco na questão principal, a origem do cálculo do p-valor, entendido como "misterioso" pelo físico da Unicamp, não em todos os aspectos meta-análise.
"Enfim, como a metanálise deles é um trabalho hercúleo, é muito difícil conferir (todos os detalhes). Agora, 100% mentira que esses p-valores baixos estão saindo de multiplicação de p-valores".
"Acho ótimo que pessoas se disponham a corrigir problemas nesse site, mas é fundamental que os problemas apontados sejam os problemas reais e não problemas imaginários", complementou Tausk em um post completo em seu facebook, inclusive com a explicação técnica para quem é da área.
Acredite, a explicação está na própria meta-análise
"Realmente é um mistério o que haveria de desafiador no tal desafio", afirmou Tausk, apontando no próprio estudo, marcando de vermelho, onde estavam as explicações, para que todos entendam.
Detalhe: está logo no segundo parágrafo da introdução a explicação de como o p-valor foi calculado, citando o teste pelo nome, inclusive.
Tessler tentou mudar de assunto para dizer que tinha razão, agora seu foco não era mais sobre o "misterioso" p-valor, mas sim sobre o método usado. E um amigo dele saiu em sua defesa.
Depois de entender o mistério, Tessler resolveu continuar atacando. Ele afirmou que os autores da meta-análise "não tem noção de como se calcula p-valor em uma meta-análise" ainda sugerindo que são amadores.
"Age de má fé ao apresentar isso para público leigo", complementou o físico sobre o estudo.
Em defesa de Tessler, o médico José Alencar, que em seu perfil usa o imponente termo "Medicina Baseada em Evidências", além de informar que é, segundo ele, autor do livro de ECG mais completo do Brasil, também protestava, no chute, que as tais meta-análises eram baseadas em uma conta falsa "multiplicando os valores de p", o que é uma mentira. Ele usava o termo "desmascarar", sem o menor constrangimento, ao se referir aos cientistas do c19study.
Alencar, em contraste com o professor Peter McCullough, que possui 633 artigos publicados na Pubmed, e Didier Raoult, com mais de 3 mil artigos publicados na mesma plataforma, possui apenas sete artigos científicos indexados ali. É a produção de toda sua carreira.
Depois de ambos entenderem que o cálculo de p-valor existia, na ânsia de defender Tessler, Alencar classificou o uso como "absurdamente pior". E seguiu apontando o que seria uma "narrativa falsa". Ganhou muitos likes entre os mais de 18 mil seguidores que possui no Twitter.
Já não era mais função de Tausk defender a meta-análise produzida pelos cientistas do c19study. Ele apenas se propôs a explicar de onde veio o p-valor, o motivo do "desafio" do físico da Unicamp.
Entretanto, mesmo com todas as ressalvas por não ter feito uma conferência completa no c19 estudo, Tausk apresentou que a forma de usar o p-valor em "Teste de Sinal" estava correta para meta-análises. Ele mostrou slides da palestra baseada no livro de Hannah R. Rothstein, do Baruch College‐ City University of New York, entitulado como "Basic Aspects of Meta‐Analysis".
"A conversa aqui tem zero relação com a questão concreta da eficácia das drogas. Zero. Eu poderia falar sobre isso também, mas não é esse o tema do post. Estou falando de questões fundamentais de estatística e probabilidade e das hipóteses de aplicabilidade de um determinado teste numa determinada situação", afirmou o professor da USP em um comentário em seu facebook.
"Esse terceiro item descreve precisamente a situação que o c19 study pretende tratar", explicou Tausk em um debate acalorado em seu Facebook.
Sem argumentos, Tessler resolve chamar Tausk de porco
Irônico, chamando Tausk de "genio", por apenas ler e fazer um cálculo trivial para especialistas, Tessler resolveu colocar um ícone de um porco para ofender e continuar afirmando que está certo, se sentindo seguro e empoderado pelo apoio de Alencar.
Logo em seguida, assumiu que "talvez seja burro".
Tessler assume que não leu o estudo
Um usuário do twitter perguntou se o método estava descrito no estudo. O professor de Física assume que não leu o trabalho que ele se propôs a destruir com tanta veemência. Alegou falta de tempo. Além disso, afirmou que a explicação, absolutamente clara, era "cifrada".
Especialistas receitam os medicamentos para eles quando contraem a COVID-19, mas em público, postam-se contra, na maioria das vezes, sem argumentos válidos
"Quando são os familiares deles, eles prescrevem", informou um médico do nordeste que não quis se identificar.
Outro médico que atende pacientes com o tratamento precoce, obtendo um número de quase 600 pacientes tratados e apenas um óbito, exatamente em um paciente que parou de tomar as medicações, confirmou. "Conheço pior, quatro colegas 'radicais' que pediram sigilo absoluto pós tratamento. Óbvio que jamais revelarei qualquer nome de quem ajudei. Mas seguem, após a cura, contra".
O relato vai em encontro com o caso do médico David Uip, ex-diretor-executivo do Instituto do Coração de São Paulo (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Uip é considerado um dos maiores especialistas em doenças infecciosas, em especial a AIDS, do país.
Na notícia publicada no site Migalhas, que cobre a área jurídica, informa que Uip processou o farmacêutico que vazou uma receita, e ganhou em primeira instância. "Na receita, o médico, que estava com covid-19, prescreveu a si próprio, Difosfato de Cloroquina, 250 mg. Dias após a compra do medicamento, a imagem da receita passou a circular em diversas redes sociais, provocando grande repercussão", explicava a notícia publicada no site, antes de informar que o processo corre em segredo de justiça.
Integridade científica
Tessler assumiu que não leu o estudo que se propôs a destruir em nome da conceituada Unicamp. Tessler assumiu que “talvez seja burro”.
Tessler divulgou informação falsa ao dizer que os valores de p da meta-análise eram multiplicados.
Além disso, Tessler disse que retiraria o vídeo caso alguém explicasse porque o p valor estava correto. Depois da explicação feita, o físico resolveu ofender um professor respeitado da USP usando ícones de animais.
Tessler é parte de um esforço oficial da Unicamp contra fake news em rede social, mas ele é a própria fonte de fakenews.
Esse é o que se diz ser defensor da ciência e autoridade em classificar o que é verdadeiro ou falso?
Só me sobra mais uma pergunta: até que ponto a Unicamp está disposta a dar suporte a coisas desse tipo?
- Galvão?
- Diga lá, Tino
- Sentiu
Atualização em 2 de dezembro de 2021. Desde outubro deste ano, Leandro mantém fixado em seu Twitter, com 11 mil seguidores, uma mensagem referente a este artigo que você acabou de ler. Ele tenta me desqualificar em vez de entrar no mérito dos dados, estudos, estatísticas e números.
Estar fixado significa que, se você entrar no perfil dele, está lá, sempre, em primeiro, não importando as novidades, as últimas postagens. É um recado fixo.
Ele não usa nenhum argumento científico. Não teve a humildade de assumir o erro. Entretanto, como é comum em certas bolhas de influencers, ele buscou conforto na plateia. Obviamente, sem dar o link para o conteúdo original que ele é incapaz de responder.
Confesso. Se alguém me falasse há dois anos que este ramo é assim, eu não acreditaria. Eu achava que bater pé e rolar no chão eram coisas que aconteciam apenas em aniversários festejados em buffets infantis. Para mim, a “ciência” era composta por pessoas de semblante sério, com voz pausada, vestidos de jaleco branco e discutindo ao lado de um quadro negro cheio de cálculos, como nos filmes.
Me enganei.
Não tive como não lembrar do velho meme do Galvão Bueno, o narrador esportivo: “Sentiu”, responde Tino, o repórter em campo.
Na verdade, tudo isso seria apenas um grande humor se não fossem milhões de mortos.
No fim das contas os covidistas dos últimos dias são todos iguais. Hipócritas e sem embasamento nenhum por isso apelam fácil. Excelente matéria. parabéns.
Filipe, vc é um ótimo reporter e muito inteligente, consegue traduzir para leigos de maneira clara e didática! Parabéns!